quarta-feira, 24 de abril de 2013

carta do PPV à Entidade Regul. Comunic. Social sobre modificações à Lei26/99 (pluralismo informativo)

Ex.mº Senhor Presidente da
Entidade Reguladora para a Comunicação Social,

O PPV manifesta a mais viva preocupação em resultado de notícias vindas recentemente a público (cf. jornais Correio da Manhã; Público e SOL*) de que estaria em marcha uma iniciativa da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (E.R.C.) visando uma alteração das regras relativas aos debates televisivos, limitando o acesso ao debate por parte dos partidos menos votados e, eventualmente, de cidadãos independentes.
A democracia tem regras que, desde o tempo da Assembleia Constituinte, foram desenhadas tendo em vista uma democracia pluralista. Um dos pressupostos básicos de qualquer eleição é o de que o povo é soberano e pode, se assim entender, alterar completamente a disposição de forças num determinado órgão representativo. Por isso, nas condições de acesso a tempos de antena, representação de partidos nas mesas de voto, etc., sempre se fez questão de dar a todos os partidos as mesmas condições de participação. O histórico, aqui, nada conta – faz-se tábua rasa. Também não podemos aceitar que – como já sucedeu em campanhas presidenciais - às decisões de cobertura jornalística possam voltar a presidir critérios tão arbitrários como um suposto “estatuto de figura pública”.
Tudo o que venha a pretender-se fazer no sentido de relativizar e degradar estes princípios democráticos, há muito consensualizados, deve pois ser considerado como uma ameaça à transparência democrática, independentemente das práticas seguidas noutros países europeus – alguns deles tão ou mais longe que nós da verdadeira democracia.
Um outro aspecto que naõ podemos deixar de é o facto de a ERC, embora dotada de autonomia administrativa e financeira , não possuir a necessária autonomia política, dependendo politicamente da “situação”, ou seja, do “bloco central” parlamentar. Neste quadro, mandaria a “decência política” que a E.R.C. se abstivesse de iniciativas que, além de eventualmente extravasar as respectivas competências, pudessem servir os interesses políticos de cuja concertação dependeu e depende a escolha da maioria dos seus membros, por essa via, do seu próprio Presidente.
Nos finais dos anos 70 assistiu-se à lenta e penosa submissão do poder militar ao poder civil e eis que agora, 40 anos depois, a questão volta a pôr-se em termos da re-submissão do poder económico-mediático ao poder civil e democrático. A mesma sociedade civil que mandou os militares “de volta aos quartéis” se encarregará de mandar os jornalistas “de volta às redacções”.
Os cidadãos têm, pela Constituição Portuguesa, direito a um completo esclarecimento. Isto implica a possibilidade de obterem, pelo serviço público de radio-televisão e por todos os canais disponíveis sob concessão pública, um conhecimento objectivo dos diferentes programas e candidatos que se apresentem a eleições. A ERC não pode ignorar que a Constituição da República Portuguesa no seu Capítulo II, concretamente no art. 48º consagrado à «Participação na vida pública», o ponto nº 2 assegura a todos os portugueses o direito de conhecer objectivamente as propostas políticas de todas as entidades públicas - onde se incluem os partidos políticos. Ali se pode ler «Todos os cidadãos têm o direito de ser esclarecidos objectivamente sobre actos do Estado e demais entidades públicas e de ser informados pelo Governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos.»
Parece-nos que o sentido da proposta da ERC, nos termos em que veio a público, irá ferir de forma insanável este princípio constitucional. Julgará porventura a E.R.C. que um consenso com os Sr.s Directores de Informação das televisões dispensa a observância da Constituição Portuguesa? Alguma destas figuras está acima da Lei, acima da Constituição?
Por outro lado, a Lei n.º 26/99, de 3 de Maio, veio alargar, entre outras coisas, a obrigação da neutralidade das entidades públicas à data da marcação das eleições ou do referendo. Ali se refere, no Artigo nº 2 sobre a Igualdade de Oportunidades: «Os partidos ou coligações e os grupos de cidadãos, tratando-se de acto eleitoral, os candidatos e os partidos políticos ou coligações que os propõem, tratando-se de referendo, têm direito a efectuar livremente e nas melhores condições a sua propaganda, devendo as entidades públicas e privadas proporcionar-lhes igual tratamento, salvo as excepções previstas na lei».
Também no Artigo 3.º vem reforçada esta ideia impondo-se explicitamente uma exigência de neutralidade e imparcialidade das entidades públicas que, parece-nos, se extende à presente iniciativa da ERC, a seis meses que estamos de novo acto eleitoral: « 1 — Os órgãos do Estado, [...], das demais pessoas colectivas de direito público, das sociedades de capitais públicos ou de economia mista e das sociedades concessionárias de serviços públicos, de bens do domínio público ou de obras públicas, […] não podem intervir directa ou indirectamente em campanha eleitoral ou para referendo, nem praticar quaisquer actos que favoreçam ou prejudiquem uma posição em detrimento ou vantagem de outra ou outras, devendo assegurar a igualdade de tratamento e a imparcialidade em qualquer intervenção nos procedimentos eleitorais ou referendários.
2 — Os funcionários e agentes das entidades referidas no número anterior observam, no exercício das suas funções, rigorosa neutralidade perante as diversas posições, bem como perante os diversos partidos e grupos de cidadãos eleitores.»
Sendo missão da E.R.C. assegurar «a regulação e supervisão de todas as entidades que prossigam actividades de comunicação social em Portugal» parece-nos natural esperar que esta Entidade actue como defensora do interesse público junto da Imprensa, e não como Corporação dos Interesses Televisivos, legítimos mas subordinados à Lei e à Constituição. Pela parte do PPV sempre nos oporemos a que o rotativismo, no caso entre o PSD e o PS, venha algum dia a alcandorar-se a valor democrático de jure ou de facto, destronando o Pluralismo. Qualquer iniciativa que ponha em causa a «igualdade de tratamento» põe igualmente em causa a Democracia e contará com a nossa firme oposição.

PPV - Direcção Política Nacional,
Guimarães, 22 de Abril de 2013